"Mas se eu tivesse ficado, teria sido
diferente? Melhor interromper o processo em meio: quando se conhece o
fim, quando se sabe que doerá muito mais - por que ir em frente? Não há
sentido: melhor escapar deixando uma lembrança qualquer, lenço
esquecido numa gaveta, camisa jogada na cadeira, uma fotografia
–qualquer coisa que depois de muito tempo a gente possa olhar e sorrir,
mesmo sem saber por quê. Melhor do que não sobrar nada, e que esse
nada seja áspero como um tempo perdido. Eu prefiro viver a ilusão do
quase, quando estou “quase” certa que desistindo naquele momento vou
levar comigo uma coisa bonita. Quando eu “quase” tenho certeza que
insistir naquilo vai me fazer sofrer, que insistir em algo ou alguém
pode não terminar da melhor maneira, que pode não ser do jeito que eu
queria que fosse, eu jogo tudo pro alto, sem arrependimentos futuros! Eu
prefiro viver com a incerteza de poder ter dado certo, que com a
certeza de ter acabado em dor. Talvez loucura, medo, eu diria covardia,
loucura quem sabe…"
Caio Fernando de Abreu
Fiquei.
Você sabe que eu fiquei. E que ficaria até o fim, até o fundo. Que
aceitei a queda, que aceitei a morte. Que nessa aceitação, caí. Que
nessa queda, morri. Tenho me carregado tão perdido e pesado pelos dias
afora. E ninguém vê que estou morto."
Caio Fernando de Abreu
A CHEGADA DA CAIXA DE ABELHAS
Clara, exata, quase um fardo para carregar.
Eu diria que é um ataúde de um anão ou
De um bebê quadrado
Não fosse o barulho ensurdecedor que dela escapa.
Está trancada, é perigosa.
Tenho de passar a noite com ela e
Não consigo me afastar.
Não tem janelas, não posso ver o que há dentro.
Apenas uma pequena grade e nenhuma saída.
Espio pela grade.
Está escuro, escuro.
Enxame de mãos africanas
Mínimas, encolhidas para exportação,
Negro em negro, escalando com fúria.
Como deixá-las sair?
É o barulho que mais me apavora,
As sílabas ininteligíveis.
São como uma turba romana,
Pequenas, insignificantes como indivíduos, mas meu deus, juntas!
Escuto esse latim furioso.
Não sou um César.
Simplesmente encomendei uma caixa de maníacos.
Podem ser devolvidos.
Podem morrer, não preciso alimentá-los, sou a dona.
Me pergunto se têm fome.
Me pergunto se me esqueceriam
Se eu abrisse as trancas e me afastasse e virasse árvore.
Há laburnos, colunatas louras,
Anáguas de cerejas.
Poderiam imediatamente ignorar-me.
No meu vestido lunar e véu funerário
Não sou uma fonte de mel.
Por que então recorrer a mim?
Amanhã serei Deus, o generoso – vou libertá-los.
A caixa é apenas temporária.
Sylvia Plath
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