terça-feira, 3 de maio de 2011

Canção de Outono


Os longos sons
dos violões,
pelo outono,
me enchem de dor
e de um langor
de abandono.

E choro, quando
ouço, ofegando,
bater a hora,
lembrando os dias,
e as alegrias
e ais de outrora.

E vou-me ao vento
que, num tormento,
me transporta
de cá pra lá,
como faz à
folha morta.


Paul Verlaine
Tradução: Onestaldo de Pennafort

Post-scriptum


Tudo vem a seu tempo,
Um passo, um passo mais…
E estamos nos domínios
Das coisas irreais.

Aí é que nós todos
- Os loucos, os profetas -
Temos direito ao orgulho
De ser poetas.

Porque, depois de tudo
Somado e diluído,
Não há nada melhor
Que amar e ser amado.

Por isso vale a pena
Não ter menos nem mais
Que ter alegria - plena! -
Das coisas irreais.


Raul de Carvalho
(Alvito, Baixo Alentejo,4 de Setembro de 1920 -
Porto - 1984 -)

O SONO DAS ÁGUAS


Há uma hora certa, no meio da noite,
uma hora morta, em que a água dorme.
Todas as águas dormem:
no rio, na lagoa,
no açude, no brejão, nos olhos d'água,
nos grotões fundos
E quem ficar acordado,
na barranca, a noite inteira,
há de ouvir a cachoeira
parar a queda e o choro,
que a água foi dormir...
Águas claras, barrentas, sonolentas,
todas vão cochilar.
Dormem gotas, caudais, seivas das plantas,
fios brancos, torrentes.
O orvalho sonha
nas placas da folha
geme adormece.
Até a água fervida,
nos copos de cabeceira dos agonizantes...
Mas nem todas dormem, nessa hora
de torpor líquido e inocente.
Muitos hão de estar vigiando,
e chorando, a noite toda,
porque a água dos olhos
nunca tem sono...


Guimarães Rosa

Canções sem palavras


Pouco a pouco desfolharam-se as rosas
em todos os jardins iniciando o enredo
das chuvas sobre as casas.
Estávamos no mês em que os crisântemos
se tornam mais brancos.
Contra a luz não ousávamos quebrar
o silêncio que na música se abrigava.
Schubert e as canções sem palavras.
O arco da voz preso no violoncelo.
O piano e o rumor sublime dos anjos.
Escutávamos a palavra não dita da sonata:
o azul dos lírios em quintais antiqüíssimos!

Graça Pires
De O silêncio: lugar habitado, 2009