sábado, 2 de junho de 2012

a joia
 Diz o incauto: que fria
maravilha! Que fria
orvalhada translúcida! Que frio
artefacto sem jaça!

De que neve nasceu, à luz
de que lua polar, de que polidas
superfícies da morte?

Que relva de açucenas
reclinou, que gratuitos
nimbos etéreos pervagou,
antes de talhada em facetas?

Diz o incauto. E ignora
que esse duro diamante
- amarga amêndoa, câncer
da terra - em cujo
seio a tribulação
seu cajado plantou,
esse diamante duro
de seiva, é um círculo
de fogo, fogo surdo,
fogo do eterno, aprisionado
à coação do minuto.



Henriqueta Lisboa

(in Azul Profundo)
 
"Tu és como rosto das rosas: diferente em cada pétala.

Onde estava o teu perfume?

Ninguém soube.

Teu lábio sorriu para todos os ventos e o mundo inteiro ficou feliz.

Eu, só eu, encontrei a gota de orvalho que te alimentava, como um

segredo que cai do sonho..."




Cecília Meireles
 
 


Canção Excêntrica


Ando à procura de espaço

para o desenho da vida.

Em números me embaraço

e perco sempre a medida.

Se penso encontrar a saída,

em vez de abrir um compasso,

projeto-me num abraço

e gero uma despedida.


Se volto sobre o meu passo,

é já distância perdida.


Meu coração, coisa de aço,

começa a achar um cansaço

esta procura de espaço

para o desenho da vida.

Já por exausta e descrida

não me animo a um breve traço:

--- saudosa do que não faço,

--- do que faço, arrependida.



Cecília Meireles

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